Houve um tempo em que eu ganhava a vida como motorista de táxi.
A maioria dos passageiros embarcava e desembarcava totalmente anônimo.
E, às vezes, me contavam episódios de suas vidas.
Encontrei pessoas que me surpreenderam.
Mas, nenhuma como aquela da noite do dia 25 para 26 de Julho do último ano em que trabalhei na praça!
Era tarde, quando recebi uma chamada vinda de um pequeno prédio de tijolinhos, em uma rua tranquila do subúrbio de Belo Horizonte - MG.
Lá chegando, ouvi cachorros latindo ao longe.
O prédio estava escuro, com exceção de uma única janela no térreo.
Nessas circunstâncias, muitos teriam apenas buzinado, esperado um pouco e ido embora.
Mas eu sabia que muitos dependiam de táxis como meio de transporte, principalmente numa hora daquelas.
A não ser que a situação fosse claramente perigosa, eu costumava esperar.
Afinal, o passageiro podia realmente necessitar de ajuda.
Assim, fui à porta e bati.
"Um minutinho", respondeu uma voz débil e idosa.
Ouvi algo sendo arrastado pelo chão e, após uma pausa, a porta se abriu.
Vi-me diante de uma senhora idosa, pequena e de frágil aparência!
Usava um vestido estampado e um chapéu bizarro, daqueles usados pelas senhoras idosas nos filmes da década de 40!
Equilibrava-se numa bengala, enquanto segurava com dificuldade uma pequena mala. Dava para ver a mobília toda coberta por lençóis.
Não havia relógios, roupas ou adornos sobre os móveis.
Num canto jazia uma caixa aberta com fotografias e vidros.
A velha senhora, esboçando um tímido sorriso, de quem já perdera os dentes, pediu-me: - O senhor pode me ajudar com a mala?
Peguei-a e a acompanhei lentamente até o carro.
Enquanto se acomodava, me agradecia constantemente. - Não é nada, apenas procuro tratar meus passageiros como gostaria que tratassem minha velha mãe. - Oh! Você é um bom rapaz!
Disse ela comovida.
Ao embarcarmos, deu-me um endereço e perguntou se eu podia ir pelo centro da cidade. - Não é o trajeto mais curto, alertei-a prontamente. - Não me importo.
Não estou com pressa.
Meu destino é o último: o asilo.
Surpreso, olhei-a pelo retrovisor.
Seus olhos brilhavam marejados. - Não tenho mais família e o médico disse que tenho pouco tempo de vida.
Disfarçadamente desliguei o taxímetro e perguntei-lhe: - Qual caminho deseja que eu faça?
Nas horas seguintes nos locomovemos por toda a cidade.
Ela mostrou-me o edifício na Praça 7, onde trabalhara como acessorista.
Passamos pelas cercanias onde ela e o esposo viveram quando recém-casados.
Passamos pela Igrejinha de São Francisco, na Pampulha, onde comemoraram Bodas de Ouro!
Então ela pediu que eu passasse em frente a uma loja de móveis na região da Praça da Liberdade, onde fora um grande salão de dança que ela frequentava quando mocinha!
De vez em quando, pedia-me para dirigir mais devagar em frente a algum edifício ou esquina.
Era quando fixava os olhos na escuridão, sem dizer nada.
Apenas olhava e suspirava.
E assim rodamos a noite inteira.
Até o primeiro raio de sol surgir no horizonte.
Quando ela disse: - Estou cansada...
E pronta! Podemos ir!
Seguimos em silêncio rumo ao endereço que me dera.
Chegamos a um prédio rodeado de árvores, era uma pequena casa de repouso.
Dois atendentes se dirigiram ao táxi assim que paramos.
Eram amáveis, atentos e logo se acercaram da velha senhora, por quem pareciam esperar.
Abri o porta-malas e levei sua pequena mala.
A senhora, já sentada em uma cadeira de rodas, perguntou-me sobre o custo da corrida com a bolsa em mãos. - Nada!
Eu disse. - Você precisa ganhar a vida, meu jovem. - Há outros passageiros, respondi.
Quase sem pensar, curvei-me e dei-lhe um abraço.
Ela me envolveu amavelmente, deu-me um beijo afetuoso e repleto da mais pura e genuína gratidão e disse: - Você deu a esta velhinha bons momentos de alegria, como não tinha há muito tempo.
Só Deus sabe a maravilha que fez por mim!
Obrigada, meu amigo!
Mil vezes obrigada!
Apertei sua mão pela última vez e caminhei no lusco-fusco da alvorada sem olhar para trás, pois as lágrimas caíam abundantes por minha face.
Atrás de mim uma porta se fechara.
Era o som do término de uma vida.
Naquele dia não peguei mais passageiros. Apenas dirigi sem rumo, perdido em meus pensamentos.
Mal podia falar.
Dois dias depois, tomei coragem e voltei ao asilo para ver como estava minha mais nova amiga.
Disseram-me, então, que na noite anterior adormecera para sempre, em paz e feliz.
Então pensei como seria se ela pegasse um motorista mal-educado e raivoso ou algum ansioso para terminar o turno.
Oh, Deus! E se eu recusasse a corrida?
Ou se buzinasse uma vez e fosse embora?
Ao relembrar, creio que jamais tenha feito algo mais importante em minha vida até então!
Geralmente, nos condicionamos a pensar que nossas vidas giram em torno de grandes momentos. Todavia, os grandes momentos freqüentemente nos pegam desprevenidos e ficam guardados em recantos que quase todo mundo considera sem importância.
E, quando nos damos conta, já passaram.
As pessoas podem não lembrar exatamente o que você fez ou o que disse.
Mas sempre lembrarão como você as fez sentir.
Portanto, faça a diferença.
Pense nisso!
Os idosos de hoje, somos nós amanhã!
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