segunda-feira, 27 de setembro de 2010

PRIMAVERA ...


A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la.

A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.


Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.



Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação.

Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.


Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.

Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.

Mas é certo que a primavera chega.
É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.

Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim.
Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu.

E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.

Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul.

Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra.

Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume.
E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.

Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade.

Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.


Cecília Meireles




Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág. 366.

9 comentários:

Pelos caminhos da vida. disse...

Linda e bem vinda primavera aqui no seu espaço amiga.

Adorei sua companhia, volte mais vezes.

beijooo.

Atreyu disse...

É o quarto Blog que eu entro e leio Cecília Meireles, posso encontrar mais 300 adoro os poemas dela!

Rembrandt disse...

Carla ,
muchas gracias por tan bello post y FELIZ PRIMAVERA prá vocé!!!!

"...Doña Primavera
de manos gloriosas,
haz que por la vida
derramemos rosas:

Rosas de alegría,
rosas de perdón,
rosas de cariño,
y de exultación...."
Gabriela Mistral

Muitos beijinhos
REM

ONG ALERTA disse...

Maravilhoso deixem as flores colorirem nosso mundo, beijo Lisette.

Ashia disse...

Cecilia Meires, una gran poeta de la lengua Portuguesa.

Extiende es su poema la primavera y la fragancia de sus flores, en este caso la rosa, como un manto de perfume se extiende en sus manos y da color a nuestros ojos.

Gracias por el regalo, tan preciso que has dejado.

Besos

orvalho do ceu disse...

CONVITE VIP
Olá, querida Carla
Passa amanhã em meu Blog... dia 01/10... a partir das 10h... e não teremos hora para acabar a festividade...
Oferecei um coquetel de 7 botões de rosa orvalhada...
Não falte, vai me fazer MUITO feliz e desejo fazer-lhe também.
Abraços fraternais

http://espiritual-idade.blogspot.com/

armalu,blogspot.com disse...

Primavera tão linda em todo o mundo dona da esperança e da vida. bj

Ira Buscacio disse...

Carlinha,

Saldo esse espaço e vc, que são primaveras o ano inteiro.

Bjs e bom domingo

...EU VOU GRITAR PRA TODO MUNDO OUVIR... disse...

Carla Fabiane!

Senti-me em um jardim exatamente como o texto descreve com tanta perfeição!

Quam souber olhar que veja...

Bela escolha!

Meu beijo carinhoso!

Sonia Regina.